Certo dia, quando me encontrava confortavelmente acomodado em minha poltrona, frente à janela, avistei quase que sem querer dois olhos grandes e vermelhos a me fitar. Encarei-os como que por instinto. Meus olhos arregalavam cada vez mais, e meus pelos do corpo se levantavam. Sentia o congelar da espinha me aterrorizar.
Inicialmente, preocupei-me em saber o que eram aqueles dois olhos; depois, preocupei-me em saber porquê me fitavam sem cessar; e somente depois disso preocupei-me com minha segurança.
Levantei da poltrona com as pernas bambas, apoiei-me com os cotovelos sobre o batente da janela e parei. Ali fiquei por um tempo. Pensava sobre o que poderia ser, mas, de certa forma, havia me esquecido da presença dos olhos. Foi quando andei de um lado ao outro, e voltei a me assustar. Eles continuavam a me encarar. Seguiam-me incansavelmente, e eu, indefeso, abaixei a cabeça como um sinal de submissão. Foi meu maior erro.
As luzes se apagaram e o espetáculo começou. Pulou sobre mim algo que eu desconhecia. Senti rasgar-me o peito e tirar o que havia de ficar lá dentro. Era meu coração.
Então sangrei. Sangrei até que me sentisse banhado pelo meu próprio sangue. Senti tudo o que tinha ir-se embora. Tudo, menos a dor, que era a única coisa que me mantinha ainda vivo.