terça-feira, 4 de março de 2008

A subjetividade do "EU"

Eu sou um
Eu sou dois
Eu sou tu
Eu sou vós

Eu sou tantos que não consigo contar
Eu sou tão poucos que não consigo me achar

Eu sou erro
Eu sou contradição
Eu sou psicodelia
Eu sou confusão.

Eu sou alguém e sou ninguém
Eu sou quem vai e sou quem vem.

Eu sou quem tenta
Eu sou quem erra
Eu sou quem tenta e às vezes acerta
Eu sou alguém que quer fazer
Eu sou alguém que tenta ser:

Eu.

Eu sou quem nunca, nunca se mostrará como quem realmente é, mas sim, como quem você quiser.

domingo, 2 de março de 2008

A guerra

Acordei – ou adormeci? – de repente, perto de uma das lojas do meu avô, o senhor E. Era um dia escuro, mas não pelas nuvens, apenas pelo rancor humano, que, especialmente naquele dia, se firmava cada vez mais como protagonista de uma cruel peça onde muitos perderiam e provavelmente ninguém ganharia.
Por incrível que pareça eu parecia ser o único espectador daquele espetáculo, as outras pessoas presentes no local agiam como se fizessem parte do elenco. Levantei-me da calçada onde estava deitado e pude perceber que as pessoas protestavam por algo ou alguém, vi também um trailer de madeira parado alguns metros na minha frente. Caminhei em passos longos pela rua de piçarra em direção ao trailer, lá parei e fiquei recostado sobre ele, como se esperasse alguém se manifestar contra aquilo. Nada aconteceu, e quanto mais o tempo passava, mais liberdade eu ganhava. Olhei por trás dos ombros, e ninguém parecia se importar. Resolvi então entrar. Entrei e deparei-me com um ambiente bem maior e diferente do que eu havia imaginado, aquilo mais parecia uma casa! Enquanto apreciava a decoração - de muito bom gosto - do trailer, alguma coisa aconteceu. Soou um barulho ensurdecedor e o trailer pareceu entrar em movimento. Logo eu percebi que ele não só parecera entrar em movimento, como realmente estava descendo ladeira abaixo – e eu dentro dele. Pensei então em pular, mas logo que imaginei as conseqüências que acarretaria minha queda, naquela velocidade, desisti. Fiquei então pensativo sobre o que fazer, e cheguei à conclusão que nenhuma ação minha mudaria o curso do trailer. A única coisa cabível a se fazer era esperar e relaxar, enquanto, no mínimo, um grande acidente se aproximava. Cochilei, e quando acordei já não estava mais no trailer, estava no mesmo lugar em que havia acordado –ou adormecido?- anteriormente. Avistei então, de longe, uma fumaça que surgia na loja do senhor E. Corri para lá e encontrei-o gritando: “Sempre levam minha casa, sempre eles! Nunca me deixam em paz!” – Tentei acalmá-lo com doces palavras, mas ele estava inconsolável, pude perceber também que seu olho direito estava lesionado, comecei então a me questionar sobre o que havia acontecido.
Não muito tempo se passou e meu avô já estava de volta à sua sala, tudo queimava, mas ele parecia não se importar. Andei então em sua direção como se quisesse tirá-lo de lá, pelo perigo que representava ficar ali, em meio a todas aquelas chamas. Infelizmente – ou felizmente? – fui atacado, de súbito, por uma mulher que me abraçou fortemente e disse: “Que saudades, Rômulo. È bom saber que podemos contar contigo”.– Eu fiquei sem entender, inicialmente. Foi quando percebi que estava, na verdade, em uma biblioteca, e que havia mais duas outras mulheres por ali, remexendo os livros, como se buscassem algo que as salvariam das chamas que cada vez mais adentravam o lugar. A multidão parecia não querer ajudar, pelo contrário, parecia gritar como se gritam os guerreiros após uma vitória em campo de batalha. Não demorou muito até que eles entrassem para terminar de destruir a biblioteca, as três mulheres tentaram intervir, mas de nada adiantou. Enchi de ar os peitos e furioso gritei: “O que querem aqui? Nenhum motivo têm para destruir esta biblioteca, nada do que tem aqui pertence a vocês!” – Então senti em minha mão uma outra que a segurava, quase sem força, puxando-a para baixo, como se quisesse para eu me abaixar. Sentei-me então e vi que era uma antiga professora minha, ela que havia dito antes que era bom saber que podiam contar comigo, mas eu não a reconhecera, como se esta estivesse usando uma máscara para preservar sua verdadeira identidade. Então, antecipei-me e perguntei: “Por que eles fazem isso? Nada aqui é deles”.– E deixei escapar uma lágrima, que caiu sobre o seu peito. Ela enxugou o caminho percorrido pela lágrima em meu rosto e com voz doce respondeu: “Alexandria também não era deles, querido. Mas nem tudo está perdido”.– E desfaleceu sobre si, deixando apenas em mim uma esperança em algo que eu ainda não podia compreender.