terça-feira, 27 de novembro de 2007

O Sonho

Alguém caluniara o senhor H. O pacote pelo qual pagava no hotel lhe dava o direito ao desjejum em seu quarto todos os dias, porem, hoje ele não estava lá.

H. havia acordado com a visão um pouco turva, e já se sentia irritado pelo fato de seu desjejum não estar onde devia. Mesmo de barriga vazia, H. prosseguiu nas suas ações de rotina, e começou a se preparar para o trabalho. Despiu-se inteiramente e entrou no banheiro. Não se olhou no espelho, visto que, naquele momento, sua visão não era das melhores. Entrou na banheira e tentou relaxar, antes de mais um dia estressante de trabalho. H. trabalhava num banco, e sempre fora um sujeito materialista e muito ambicioso. Também se importava muito com sua aparência, já que não conseguia ver nada, além disso. Alguns minutos se passaram, e H. continuava na banheira. Seu pensamento estava longe, tão longe que nem ele poderia o achar. De repente um barulho cortou o silêncio que reinava em seus aposentos: Toc, Toc. Era o barulho de leves socos que batiam na porta do seu quarto. H. saiu do banheiro e vestiu-se rapidamente, logo depois foi atender quem o chamava. Era a senhorita Sofia, uma das empregadas do hotel. Em suas mãos trazia uma bandeja com o desjejum do senhor H., que há muito se esquecera do mesmo. Ele a atendeu com discrição, e esperava ser tratado de forma igual, ou ao menos semelhante. Não foi o que aconteceu. Ela o olhou de um modo estranho, como se o desprezasse, mas nada falou. Entregou a bandeja e retirou-se. H. não entendera ao certo toda aquela situação, mas não podia deixar que influenciasse a sua rotina, com a ordem de afazeres já adulterada pelo atraso do desjejum. Colocou a bandeja sobre a mesa e pôs-se a vestir seu uniforme. Já estava pronto para ir trabalhar, mas ainda tinha fome. Olhou no relógio, que se encontrava pendurado na parede, e percebeu que não lhe faltava muito tempo antes que fossem buscá-lo. Apressou-se ao comer seu desjejum, e foi direto para a recepção do hotel, onde seu motorista já o esperava impaciente. H. se desculpou pelo atraso, e percebeu que também o seu motorista parecia o ignorar. Saíram os dois juntos, no carro, em direção ao banco. Durante a viagem nenhuma palavra foi trocada. Mesmo com o atraso de H., eles chegaram no horário de sempre ao banco. H. despediu-se do motorista, que novamente não lhe respondeu. Inabalável, seguiu seu caminho até a porta do banco. Era uma porta de vidro espelhado, e pela primeira vez nessa manhã ele via sua própria face. H. ficou terrivelmente assustado com o que viu, sua face agora era a de uma mosca. Ele não entendia como aquilo havia acontecido e nem o porquê. Como defesa própria, preferiu achar que era sua mente lhe pregando peças. Finalmente ele estava abalado. Passou pela porta do banco, onde todos pararam de cumprir suas obrigações para olhá-lo.

__ O que estão olhando? ! – Perguntou ele, furiosamente – Por acaso tenho cara de mosca? !

Em seguida, nenhuma palavra foi pronunciada. Todos se viraram e voltaram a fazer o que deviam. Dirigiu-se então até sua sala. Ficou mais aterrorizado ainda quando percebeu que seu nome não se encontrava mais na porta daquele escritório. Não conseguia entender como tudo havia mudado tão rapidamente. Ele, que fora sempre tão respeitado, agora era ignorado. Ele, que sempre fora um sujeito de tão boa aparência, agora tinha a face de uma mosca. Aquilo não deveria estar acontecendo, não podia estar acontecendo. Toda sua vida havia acabado, ele havia caído em desgraça, e tudo por causa de uma coisa sem explicação: sua face era de mosca! Aquilo não devia estar acontecendo, aquilo não podia estar acontecendo...

__ Foi um sonho! – Disse H. aliviado.

Sorridente como nunca, foi ver-se no espelho. Ficou louco, aterrorizado, ao perceber que aquilo não havia sido um sonho, mas sim um presságio.

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