sábado, 29 de novembro de 2008

Morte d'ele sem ele

Talvez o temor viesse da força e da pureza do desejo, e da punição, não pelo ato em si, mas pela fraqueza que o ameaçava mais que a qualquer outro.
Ensaiou duas, três, quatro e cinco vezes o que faria, para certificar-se de que não haveria erros durante a apresentação final. Escreveu uma carta. Bordou a letra como se fosse a última vez que escrevesse. A deixou em cima da única mesa do cômodo, aliás, do único móvel, e se preparou para por em prática tudo o que tanto treinara.
Cerrou os punhos, segurando com força o punhal. As mãos tremiam com a arma e com a alma, se estivesse em pé, com as pernas também. Uma última lágrima caiu dos seus olhos, e um vento invadiu o quarto pela janela que, até então, mantinha-se aberta.
Levantou e fechou suavemente cada folha, privando assim o espetáculo ao público.
Em seguida, voltou e sentou-se sobre a mesa, ao lado da carta. Fez então um corte profundo no pulso esquerdo, deixando o sangue escorrer sobre o papel amarelecido pelo tempo.
Assim ficou a carta, manchada por uma lágrima e algumas gotas de sangue.
“Eis aqui minha assinatura... Que morra como morre o presente.”, murmurou, enquanto perfurava o outro pulso.
Fechou os olhos por um instante e, quando os abriu, cambaleou e caiu sobre o carpete tingido em vermelho. Não fechou mais os olhos, contudo, à medida que seu sangue escapava de suas veias, o sono chegava, e, mesmo de olhos abertos, dormiria, por uma última vez, para sempre.

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